29.9.12

o monstro humano

a porta estava entreaberta, eu não pensei muito -já era tarde- eu não pensei muito, entrei com tudo e disse: -olá.
ela estava sentada, pernas cruzadas, não sorria nem chorava.
algo há incomodava, talvez fosse o vento frio que entrara pela janela ainda aberta, mesmo estando tarde.
tentei dizer algo que a acalentasse, que bobagem a minha, estávamos vivendo a madrugada fria e nada que não fosse mais um gole daquele conhaque barato, nos trazia calor.

as mãos trêmulas, o rosto rosado, os lábios vermelhos, o brinco que tinha no nariz, a meia calça preta com desenhos de laços, a nuca.
meus olhos corriam por todos estes detalhes, que embora pareçam fúteis, naquela ocasião eram de extrema valia, para mim.

tentei dizer algo novamente, mas a voz, por conta do frio, do cigarro e da minha inflamação na garganta, não saíra.
ela então se aproximou, segurou meu rosto com as mãos frias, beijou-me a testa e disse que já ia.
fiquei parada, esperando que o mesmo vento cortante que a incomodara até então, a trouxesse de volta para mim, num gesto violento e egoísta.

ora se não era eu mesma, fugindo de mim, naquela noite.
a menina com a rosto rosado, os lábios vermelhos, o brinco no nariz, a meia calça infantil e a nuca, era apenas meu reflexo refletido n'algum canto daquela casa vazia e triste, naquela noite fria.

era uma delicadeza, a forma que meu subconsciente achou para dizer que esta parte de mim, havia ido embora, a inocência, não nos restara nada além do monstro humano.

Um comentário:

  1. Não tenho nada pra acrescentar ou comentar. Só queria dizer que gostei muito. :)

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